Projeto: Maria Inês Ribeiro

Componente projetual de dissertação de mestrado em design de comunicação, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa

Orientação: Professora Sofia Gonçalves

2022-2023




SOBRE O PROJETO


Contra-Arquivo A Mouraria, é um arquivo digital que integra uma investigação teórico-prática. Esta investigação teve como base o estudo do arquivo enquanto instituição, enquanto espaço, processo e discurso, com poder de preservar narrativas e memórias, ao mesmo tempo que exclui registos num processo de seleção que não pode ser considerado neutro, mas que tem certamente um caráter político. Comunidades socialmente à margem são frequentemente desconsideradas nas políticas de aquisição dos arquivos, acabando por se dar prioridade ao armazenamento de narrativas relativas a grupos dominantes na sociedade. Como consequência, consulta-se a história sob pontos de vista enviesados, perdem-se memórias sociais e culturais, negam-se espaços representativos, o que dificulta o acesso e construção de identidades, enquanto se perpetuam sistemas estruturais de marginalização e/ou opressão já tão enraizados na nossa sociedade.

De forma a compreender como se poderia desenvolver um artefacto de caráter crítico, que não só questionasse o arquivo tradicional, mas também representasse um espaço de comunicação de silêncios não naturais presentes nos arquivos, tornou-se relevante investigar práticas críticas de design. A investigação contemplou assim também um estudo sobre o design crítico, e procurou perceber de que forma esta abordagem poderia beneficiar de uma revisão à luz de outras práticas de design não hegemónicas, bem como das teorias da interseccionalidade.

Foi nesta revisão da disciplina que se encontrou a postura de design a adotar no desenvolvimento deste projeto: a que compreende a opressão como uma experiência simultaneamente individual e coletiva, resultante da interseção de diferentes sistemas, reconhecendo o papel do design na propagação da opressão através do desenho de sistemas e objetos e, consequentemente, propondo-se a contrariar este paradigma. Considerou-se ainda fundamental a integração das experiências, visões, conhecimentos e práticas/tradições locais, de quem se encontra em posição de desvantagem na matriz de dominação, num processo de design colaborativo e horizontal. Para isso, envolvemos a comunidade da Mouraria e a Associação Renovar a Mouraria em todo o desenvolvimento do projeto, num processo colaborativo e horizontal. Encontrou-se ainda no contra-arquivo o modelo mais adequado, como conceito que diverge fundamentalmente do arquivo convencional, contestando-o.



ASSOCIAÇÃO RENOVAR A MOURARIA


A comunidade residente no bairro da Mouraria tem uma caracterização particular: constituída por uma grande percentagem de população migrante, enfrenta preconceitos, estigmas e dificuldades de integração, tanto em termos práticos (entrada no mercado laboral, obtenção de cidadania, de residência), como em termos sociais (barreiras linguísticas e culturais). Apesar do bairro da Mouraria se encontrar no centro da cidade, é um território que se encontra à margem, não por uma questão territorial e urbana, mas por motivos sociais, culturais e económicos. São comunidades como esta que frequentemente não encontram lugar nos arquivos comuns, tornando-se relevante contrariar o sistema e procurar formas alternativas de disseminar estas narrativas, promovendo e valorizando estes lugares e comunidades.

Desde 2008 que a Associação Renovar a Mouraria tem procurado dinamizar o bairro, desenvolvendo projetos com e para a comunidade, não só no sentido de facilitar a integração e envolvimento dos residentes, mas também de forma a celebrar e partilhar a diversidade cultural que existe neste território. Este projeto só foi possível de concretizar através da colaboração fundada com esta associação, que não só disponibilizou a maior parte dos conteúdos presentes neste arquivo e que resultam de projetos por eles anteriormente implementados, como também se envolveu no desenvolvimento do próprio projeto, acompanhando as várias fases, desde a idealização à concretização deste protótipo.

Colaborar com a Associação Renovar a Mouraria foi essencial para o desenvolvimento deste contra-arquivo, não só pelo acesso proporcionado a conteúdos já existentes, mas principalmente pelo seu conhecimento da realidade do território, adquirido ao longo dos vários anos de operação. A Associação foi a ponte com a comunidade, ao providenciarem um retrato da população residente, das dinâmicas do território e dos projetos passados/em curso que visam responder a dificuldades identificadas, de forma a mais facilmente se encontrar o lugar que este contra-arquivo poderia ter, de modo a servir a comunidade que visa representar. Assim, agradece-se a disponibilidade da Associação Renovar a Mouraria ao longo do desenvolvimento desta investigação, particularmente da Rita e da Marina, que acompanharam e participaram mais de perto na construção deste repositório.